quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O silêncio dos sapatos


Pois é, às vezes durante a caminhada a única coisa que se consegue ainda ouvir é o silêncio dos sapatos na disputa com os pensamentos, nem o trânsito de cidadãos, o frenesi do comércio, o ônibus lotado e quase perdido tira - lhe do mar agitado que está sua alma. Degraus... __Bom dia!...Passe... Catraca... Um assento talvez... E o pensamento volta. Não sabe se os sentimentos estão transbordando a ponto de não domina – los, ou se os acontecimentos seguem uma linha lógica da conclusão. A mania de culpa é angustiante, às vezes torna – se insuportável. Deixar o outro levar a culpa de vez em quando seria o ideal, mas a paciência da espera falta tanto pra quem resolve quanto pra quem é a resolução ou o próprio problema.
As certezas são poucas, sinceramente a única é só a morte. Nada mais forte do que o falecimento pra lembrar que ainda existe algo certo. O pensamento da indiferença, da fria indiferença com alguém que merecia, mas que não devia num dado momento atormenta. Conselhos ouvidos... ”__Fica com “Fulano”. Que ele sim é a pessoa certa! ”... E etc. e etc., mas o sentimento não é esse, das vezes em que houve insistência, forçou - se a barra. Pra ver se realmente era ele quem se queria, tentou - se plantar essa sementinha, mas o sentimento de verdade é que o “Fulano” é uma outra história com outro alguém, e no fundo, se fizer algo pra mudar seu destino modificará de uma forma errada sua vida. Talvez não estivesse enxergando do jeito certo, por isso a tentativa.
O temor real é que a chegada até a certeza exata de tudo não seja a verdadeira necessidade. Talvez seja ruim saber de tudo, de todos... Talvez não exista amor, talvez não tenha uma história real. E é esse talvez que mata que persegue o tempo inteiro.
Na verdade a solidão é uma desejada possibilidade, mas infelizmente isso não é possível, o ser humano não é uma ilha.
Precisa - se pensar mais, os pensamentos fervem, a cabeça entra quase em ebulição. O cansaço de tudo atormenta a alma, o anseio é só de estabilidade e curtição. Só que nos últimos dias a sensação de que o tempo escorre pelas mãos é notória. A alma está pesada demais, ectoplasma obeso. O mundo nesse momento é alheio, acorda – se apenas com o sino da solicitação da parada... Pés novamente trazem a certeza de que se tem que andar, chegar a algum lugar... Sapatos confundem – se... Pisões... Esbarros... Degraus... De volta pra casa. Às vezes durante a caminhada a única coisa que se consegue ainda ouvir é o silêncio dos sapatos na disputa com os pensamentos.

Texto: Adriana Maria do Nascimento

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